As principais fabricantes de cosméticos e o governo se unem na pesquisa de novas tecnologias

POR VANDERLEI CAMPOS

O Brasil é o terceiro maior mercado de produtos de cuidados pessoais e cosméticos do mundo. Representa 9,4% do consumo planetário e movimentou no ano passado 101,7 bilhões de reais. Esse volume de recursos atrai empresas de origem e tamanhos diferentes. “Temos um ambiente muito competitivo. As companhias globais disputam nossos consumidores com a melhor tecnologia e, por isso, temos de manter uma carteira de projetos alinhados às últimas tendências”, afirma Gerson Pinto, diretor da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras e vice-presidente de inovação da Natura.

Em parceria com outras três grandes indústrias concorrentes, Boticário, Yamá e TheraSkin Farmacêutica, a Natura integra uma iniciativa do Instituto de Pesquisas Tecnológicas e recursos da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial para desenvolver técnicas de nanoencapsulação. “E uma tecnologia nova, que melhora a eficiência do medicamento. Conseguiremos controlar as camadas da pele em que o princípio ativo atua”, explica Eduardo Rodrigues, cirurgião plástico e cosmiatra, especialista em dermatologia estética.

“Uma das aplicações permite levar elementos chamados de princípios ativos até camadas mais internas da pele, onde produtos como cremes ou pomadas não chegariam. Apele tem a camada córnea, mais externa, com a função de bloquear substâncias nocivas. Isso a leva a impedir também a entrada de produtos benéficos. A nano encapsulação ‘engana’ a camada córnea e permite essa passagem, da epiderme à derme”, explica Valcinir Bedin, dermatologista e responsável pela programação científica do Congresso Internacional de Dermatologia.

O custo do projeto, de 2,3 milhões de reais, é dividido entre a Embrapii, o IPT e as empresas. A cooperação entre competidores é um modelo pouco praticado no Brasil, mas muito comum em outros países. E possível e saudável concorrentes dividirem esforços, conhecimento, custos e riscos em um âmbito pré-competitivo, com a meta da inovação. “Isso potencializa os investimentos em pesquisa e desenvolvimento e agrega valor tanto para a comunidade científica quanto para o setor industrial”, afirma Richard Schwarzer, diretor de P&D do Grupo Boticário. Segundo Rosemary Miliauskas, gerente-geral da área técnica da Yamá Cosméticos, a iniciativa pode reduzir a menos da metade os investimentos necessários para cumprir as estratégias de inovação em produtos. “A motivação da parceria foi o elevado custo que teríamos individualmente para implantar a tecnologia, além do maior tempo gasto e da duplicação de profissionais capacitados, em falta no mercado.”

O desafio do setor de cosméticos brasileiro é obter escala. “As companhias nacionais são uma referência, mas o orçamento de P&D de todas juntas é inferior ao investimento de uma grande concorrente mundial”, constata Carlos Arruda, professor de competitividade e inovação da Fundação Dom Cabral.

O projeto é o único caso de cooperação entre concorrentes na Embrapii, afirma Natália Cerize, pesquisadora do Núcleo de Bionanomanufatura do IPT. Houve colaboração semelhante na associação setorial de fabricantes de compósitos. Nesse caso, o IPT trabalhou em um processo acessório, de tratamento de resíduos, diferente do atual, de desenvolvimento de tecnologia para a atividade-fim das empresas. “Há 20 anos pesquisamos rotas de encapsulamento. Por meio do Instituto de Tecnologia e Estudos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos e de contatos com as indústrias, identificamos uma demandatransversal. O projeto coletivo é interessante para acelerar conhecimento e reduzir riscos e custos da tecnologia de base. A partir disso, cada um desenvolve suas fórmulas e produtos.”

Segundo Marina Kobayashi, gerente de inovação da Associação Brasileira das Indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, há um acordo de confidencialidade firmado entre cada empresa e o IPT. As questões de propriedade intelectual são negociadas caso a caso. O projeto prevê ainda a capacitação das equipes das empresas com o auxílio do IPT, por meio de visitas periódicas e treinamento dos profissionais envolvidos.

Gerson Pinto destaca, além da criação de fórmulas de aproveitamento da nova tecnologia, o investimento na qualificação da cadeia de produção. “O projeto não termina com a entrega da Em-brapii, trabalhamos em paralelo nas demais fases. Não é um desenvolvimento sequencial. Enquanto avança a pesquisa com o IPT, trabalhamos internamente e trazemos a rede de fornecedores. Isso acelera a entrega e orienta as mudanças para os parceiros”, descreve.

Para João Fernando Gomes de Oliveira, presidente da Embrapii, um dos critérios para inclusão na rede de pesquisa é a definição de um foco de desenvolvimento tecnológico com demanda e disposição de investimentos entre as indústrias. “Alguns institutos têm linhas muito genéricas de pesquisa. Estimulamos a especialização para as indústrias terem a quem recorrer quando precisam de inovações estratégicas.” O modelo de chamadas públicas aos institutos de P&D, alocação de recursos e auditoria é uma das explicações para a agilidade nos projetos da Embrapii. “Os institutos apresentam planos de negócios de seis anos e definimos o aporte de recursos. O prazo médio de aprovação dos projetos é de dois meses. Fazemos um acompanhamento mensal do projeto e a cada semestre há auditoria in loco.”

A agilidade é importante, pois os ciclos são rápidos nos segmentos mais competitivos. A Embrapii tem um teto de participação de 33,3% do orçamento e as empresas privadas contam com esse mesmo porcentual como cota mínima. “Na economia moderna, não há d icotomia entre Estado e setor privado. Nosso papel é fazer com que mais empresas tenham acesso à infraestrutura de P&D”, resume Oliveira.

O Estado empreendedor é um agente fundamental nas estratégias de desenvolvimento tecnológico da indústria nacional, diz Arruda. “E diferente do ‘Estado empresário’. Instituições como a Embrapii são importantes nos projetos de alto risco tecnológico. Transformar as tecnologias em produtos é papel do setor privado.”

A articulação entre governo, setor privado e academia cobre lacunas no desenvolvimento industrial, não preenchidas apenas com instrumentos financeiros, entre eles aportes, empréstimos ou hedge. “Risco pode ser dimensionado e pro-visionado. Mas a grande característica da inovação é a incerteza”, acrescenta o professor da Dom Cabral. Segundo ele, um precedente de inovação colaborativa, referência em gestão de projetos, é o Genolyptus, mapeamento do genoma do eucalipto realizado em 2008 por uma rede formada pela Embrapa, sete universidades e indústrias como Suzano, Klabin e Votorantim. Esse compartilhamento colocou o Brasil na liderança no setor. Um dos fatores de sucesso foi a boa governança, aponta. A Embrapa designou um gestor especializado para acompanharas metas e gerenciar os compromissos entre os participantes da rede.

O escopo da Embrapii é mais amplo e envolve várias indústrias, algumas muito vulneráveis a defasagens tecnológicas. “A empresa foca na integração de centros de excelência em tecnologias dominadas no País. Para novas fronteiras, seria interessante incluir centros de pesquisa internacionais na rede”, sugere o especialista da Dom Cabral. “Esse poderá ser o próximo estágio.”

Esta matéria foi publicada na edição de 29/07/2015 da revista Carta Capital

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