Projeto apoiado pela Embrapii é único em todo o mundo e já possui protótipo validado; desenvolvimento tecnológico é da Unidade Embrapii IFCE
O método Braille é extremamente importante para a alfabetização de pessoas com deficiência visual no país e no mundo. Existente há mais de 200 anos, atualmente o Braille vem perdendo espaço para tecnologias emergentes com recursos como telas touch e comunicação por voz. O processo que vem sendo chamado de “desbrailização” é um retrocesso para a comunidade cega de todo o mundo, uma vez que prejudica a alfabetização, leitura e escrita. Para preencher esta lacuna e retomar a valorização do Braille e ampliar a inclusão de pessoas com deficiência visual, a Unidade Embrapii do Instituto Federal do Ceará (IFCE) desenvolveu uma tecnologia de ponta. Juntamente com as empresas CPDI (Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Ltda) e Inovaye Ltda, os pesquisadores do IFCE desenvolveram o Notebraille.
O projeto apoiado pela Embrapii consiste em um caderno de notas digital que possibilita às pessoas cegas escrever em braille e fazer o upload dos textos para um computador ou smartphone. O dispositivo embarcado foi projetado para ser utilizado nos processos de alfabetização, ensino regular e atividades laborais por pessoas cegas. A pesquisa recebeu investimentos totais de R$ 798 mil, entre recursos não reembolsáveis da Embrapii e os aportes feitos pela Unidade Embrapii e empresas.
Ireni Souza, 59 anos, é professora e alfabetiza por meio do método braille. Ela explica que existe uma linha de profissionais da área que acreditam que ele não é importante e que as crianças que nascem ou ficam com a deficiência podem ser alfabetizadas por meio das tecnologias de computadores. “Eu não acredito nesta linha e acho que o braille não vai acabar. Trabalho há mais de 30 anos neste ramo e a escrita e a leitura em braille têm que ser algo efetivo, não saber ler e não escrever em braille não configura o processo de alfabetização de um individuo”.
A professora é a prova de que o método é importante, pois nasceu com deficiência visual no olho direito e com baixa visão no esquerdo e, desde criança, foi alfabetizada com o braille. “Frequentei e sou de uma época em que existiam internatos para crianças com deficiência visual. O braille é extremamente importante para o desenvolvimento da leitura de mundo de uma criança, depois com o tempo, já adulta, a pessoa decide se vai optar por se informar e estudar por meio de audiobooks, tecnologias por meio de notebook, imprimir via impressora de braille, etc, mas a base de aprendizado com a reglete não pode deixar de ser inserida”, diz.
Além de professora de braille, Ireni também é presidente da Instituição Braille de Santos, coordenadora e assessora pedagógica de educação inclusiva da cidade de São Vicente.
União entre o tradicional Braille e a tecnologia
“As ferramentas tradicionais para Braille são inteiramente mecânicas e voltadas para o papel. Além disso, para a transcrição dos códigos, o autor dos textos depende de um vidente. Por meio do Notebraille, estamos dando autonomia às pessoas cegas, para que possam escrever e digitalizar seus textos, com a possibilidade de transcrição instantânea para a tinta, que é como chamamos a linguagem tradicional de letramento. É uma tecnologia inédita e inclusiva”, esclarece o professor João Batista, pesquisador da Unidade Embrapii IFCE.
Para criação do Notebraille, os pesquisadores enfrentaram os desafios de desenvolvimento de hardware e firmware de alta complexidade, além dos drivers específicos para o interfaceamento do equipamento para computadores, notebooks e smartphones. O projeto incluiu ainda o design da caixa de acondicionamento mecânico do equipamento. Os primeiros protótipos já foram concluídos e testados, sendo que atualmente as empresas responsáveis estão em processo de aperfeiçoamentos finais para realizar a inserção do produto no mercado em 2025. Pelo alto grau de ineditismo, os pesquisadores iniciaram os processos para pedido de propriedade intelectual da nova tecnologia.
Como funciona
O Notebraille é composto por um circuito eletrônico funcional, com alimentação por bateria, que permite a escrita e digitalização de textos por pessoas cegas. O usuário efetua a escrita de textos utilizando uma punção para marcar os pontos brailles em uma placa de circuito impresso do tamanho de uma folha A4, que permite a inserção de 22 linhas com até 24 caracteres por linha. O Notebraille permite que o autor do texto ouça os caracteres inseridos e efetue correções, sendo que após a conclusão das edições, o equipamento permite o upload do texto para um computador ou smartphone, por interface de bluetooth ou usb.
Notebraille. Imagem ilustrativa.
O uso do braile para as pessoas cegas é fundamental para a alfabetização e letramento. Não podemos deixar que os deficientes visuais deixem de ser alfabetizados e passem a utilizar apenas as tecnologias de leitura e escrita por voz. Isso seria um retrocesso na inclusão dessas pessoas”, destaca o pesquisador coordenador do Laboratório de Pesquisa Aplicada e Desenvolvimento em Automação (LAPADA) do IFCE, o engenheiro Anaxágoras Girão.
Educação Inclusiva
O Instituto Federal do Ceará é credenciado pela Embrapii para atuar nas áreas de competência de Sistemas Embarcados e Mobilidade Digital. A atuação com Tecnologia Assertiva (TA) voltada para pessoas com deficiência visual nasceu há mais de 10 anos, a partir de contato do pesquisador Anaxágoras Girão com o Instituto de Cegos do Ceará. Após conhecer os desafios da alfabetização de pessoas com deficiência visual, ele iniciou uma série de pesquisas para desenvolvimento de equipamentos que possam tornar o processo mais inclusivo.
As pesquisas resultaram no projeto “Sala Braille”, onde está incluído o Notebraille. Trata-se de um kit tecnológico com todos os recursos necessários para a alfabetização em Braille. “É um projeto com alto potencial de mercado para o todo o mundo, uma vez que não existe tecnologia semelhante. Acreditamos que a Sala Braille possa ser incluída em programas governamentais de educação inclusiva. E, nesse contexto, o Notebraille é muito importante porque garante autonomia da pessoa cega, podendo ser levado para além da sala de aula”, destaca Anaxágoras.