Projeto identifica que cloro presente em fertilizantes acelera processo corrosivo durante a queima da biomassa de eucalipto, usada como alternativa sustentável aos combustíveis fósseis.
Descoberta tem significativos impactos financeiros. Levantamento da Unidade Embrapii Femec-UFU junto à Abraco aponta que a deterioração de equipamentos industriais consome, por ano, cerca de 3% do PIB brasileiro
Novo projeto apoiado pela Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), em desenvolvimento na região do Triângulo Mineiro, em Minas Gerais, prevê o desenvolvimento de uma metodologia inédita para monitoramento de corrosão em caldeiras movidas a biomassa de eucalipto. O projeto atende a uma demanda bastante específica da indústria nacional, uma vez que mundialmente os combustíveis mais utilizados em caldeiras são a base de derivados de petróleo. A pesquisa vem sendo realizada pela Unidade Embrapii Femec-UFU (Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Uberlândia) de forma a superar o desafio apresentado pela Cargill, multinacional especialista em produção e processamento de grãos.
A biomassa de eucalipto vem sendo utilizada, como alternativa sustentável aos combustíveis fósseis, há mais de uma década na Cargill de Uberlândia, onde está localizado um dos maiores complexo fabril mantido pela multinacional em todo o mundo. Ao atender à agenda da sustentabilidade, no entanto, a empresa se deparou com um novo desafio. A vida útil da caldeira passou a ser muito menor do que a média dos equipamentos que utilizam os derivados de petróleo como combustível, que apresentam processo de degradação completamente diferente do observado com a utilização de biomassa de eucalipto.
Os componentes do equipamento poderiam ser utilizados por até 15 anos, dentro do formato tradicional da queima, mas, em razão da utilização da nova matéria-prima, vêm sendo trocados pela empresa sistematicamente a cada cinco anos, o que exige um investimento de aproximadamente R$ 10 milhões. Um levantamento da Unidade Embrapii Femec-UFU junto à Associação Brasileira de Corrosão (Abraco), aponta que a deterioração de equipamentos industriais consome, por ano, cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o equivalente a R$ 300 bilhões do PIB de 2022. Os números envolvem não apenas a agroindústria, mas toda a cadeia produtiva nacional.
A rápida deterioração intrigava a empresa e a causa nunca havia sido descoberta, apesar de diversas tentativas anteriores. Então, em 2022, o time da Cargill apresentou o desafio à Unidade Embrapii Femec-UFU, credenciada para atuar nas áreas de novas tecnologias em medição de propriedades e comportamentos mecânicos, e assim iniciou-se a busca pela resolução da questão que, até então, apresentava-se como um mistério.
Após analisarem parte dos componentes retirados da última manutenção da caldeira em 2022, os pesquisadores Unidade Embrapii observaram que elementos químicos oriundos da queima de biomassa, como o cloro, formam camadas que se depositam sobre os tubos da caldeira. Tal mecanismo gera um microambiente rico em elementos degradantes, que associados a elevadas temperaturas de trabalho da caldeira, tornam o processo de queima muito corrosivo, acelerando o processo de degradação. A equipe da Unidade observou, ainda, que esses elementos químicos eram oriundos tanto dos fertilizantes utilizados no cultivo, quanto da própria matéria orgânica do eucalipto.
“Nós vínhamos buscando uma resposta para entender essa questão da deterioração da caldeira há muito tempo. Tentamos com consultorias externas e até mesmo com o time global da Cargill. Não foi por falta de verba ou de tentativas. Mas graças ao contrato com a Embrapii, pudemos ter acesso a laboratórios de ponta e a uma equipe de profissionais de altíssimo nível, que encontrou resposta para um problema que não existia na literatura científica. Isso precisa ser valorizado.”, destaca o supervisor de confiabilidade da Cargill, Guilherme Sutili.
Monitoramento inédito
Os resultados da pesquisa respondem a uma demanda urgente de uma parcela da agroindústria, concentrada especialmente no Brasil, China e África, que utiliza a biomassa do eucalipto para alimentação de caldeiras com geração de vapor e energia. Com a descoberta, os pesquisadores puderam desenvolver um novo método para monitoramento do grau de corrosão da caldeira. Eles partiram praticamente do zero, uma vez que não há literatura científica que pudesse embasar o trabalho.
A metodologia inédita vai auxiliar a empresa na tomada de decisões para uma manutenção e troca mais assertiva da tubulação da caldeira, resultando em economia de recursos e maior produtividade do equipamento. Caso surjam demandas semelhantes, o mesmo método tem potencial para ser adaptado para outros setores produtivos, além da agroindústria.
A corrosão
A caldeira da Cargill tem estrutura com dimensões compatíveis a um prédio de oito andares e é utilizada para geração de vapor e energia que alimentam o complexo fabril destinado ao processamento de grãos. O ponto crítico do equipamento é chamado de super aquecedor, onde o vapor muda de fase, passando de saturado para super aquecido. Especialmente nesse ponto forma-se um ambiente altamente propício para formação de corrosão e ferrugem, em razão da alta temperatura e grande concentração de umidade.
Os pesquisadores da Unidade Embrapii Femec-UFU verificaram que a queima da biomassa resulta em vapor e fuligem carregados de traços de todos os elementos utilizados na terra durante a produção do eucalipto, como, por exemplo, sódio, potássio e o cloro. A presença e a combinação desses elementos, geram um ambiente corrosivo e altamente degradante para os materiais metálicos. Esses elementos, somados ao ambiente quente e úmido da caldeira, resultaram na fórmula perfeita para um fenômeno muito específico de aceleração do processo corrosivo.
A solução
A partir da descoberta, os pesquisadores chegaram à conclusão de que seria inútil buscar o desenvolvimento de novos materiais que pudessem aumentar a vida útil da caldeira, uma vez que isso tornaria o custo do equipamento inviável. Desta forma, o objetivo do projeto passou a ser o monitoramento do processo de corrosão, o que era algo bastante desafiador já que partes do equipamento são totalmente inacessíveis em razão das altas temperaturas.
“Depois de entender e estudar o problema, a ideia era que a gente pudesse criar uma metodologia para que a empresa possa monitorar o processo de corrosão nos tubos. Nosso objetivo é correlacionar áreas que são possíveis de serem inspecionadas com as outras que são inacessíveis e, através dessa correlação, criar um método através do qual eles possam acompanhar a corrosão e determinar a hora correta de trocar os componentes”, explica o pesquisador Gustavo Oliveira.
Guilherme Sutili explica a importância do novo método. “A Cargill de Uberlândia está em funcionamento há 36 anos, a caldeira objeto de estudo está em operação há 13 anos e nós vínhamos realizando a troca do super aquecedor da caldeira com base em nosso histórico e experiência. Mas a cada troca, a caldeira fica parada por 30 dias e precisamos fazer um investimento alto. Então, com a nova metodologia de monitoramento, nós saberemos o momento exato da troca, o que possibilitará que façamos economia de recursos e que possamos nos organizar melhor, determinando a época mais adequada para a substituição do equipamento”, destaca.