Debate levanta desafios e aponta cenário promissor para o desenvolvimento nacional de tecnologias na área. Confira também a entrevista com o presidente da Rede Embrapii/MCTI de Inovação em Bioeconomia

Passado, presente e futuro da bioeconomia no Brasil foi o tema da primeira edição de 2023 do Café com Bioeconomia, realizado no dia 1º de fevereiro. O evento pode ser acessado pelo Spotify e é realizado quinzenalmente pela unidade Embrapii Senai Cetiqt, com o apoio da Rede MCTI/Embrapii de Inovação em Bioeconomia. A iniciativa visa fomentar o Portal de Bioeconomia, plataforma digital criada para conectar os diversos atores da área no Brasil, entre eles comunidades tradicionais, cooperativas, startups, empresas, universidades e associações.

Na abertura da temporada, especialistas de diferentes áreas de atuação abordaram o histórico da bioeconomia no Brasil e o consenso foi a importância das organizações do fomento, como a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), para alavancar a pesquisa e o desenvolvimento de projetos de inovação na área de bioeconomia, bem como uma política de estado para garantir a continuidade dos projetos e dos investimentos, de forma permanente. “O Brasil vem avançando no setor e a própria criação da Rede MCTI/Embrapii de Inovação em Bioeconomia mostra o potencial brasileiro”, reconheceu Paulo Coutinho, presidente da rede, durante a abertura do evento.

Coutinho destacou o Basic Funding Alliance (BFA), modalidade da Embrapii criada para compartilhar riscos com as empresas que estão investindo em soluções disruptivas com nível de maturidade tecnológica menor, quando há grande risco no processo de inovação. “Inicialmente foram anunciados R$ 20 milhões para projetos de bioeconomia e, recentemente, a Embrapii dobrou o orçamento em virtude da demanda. As empresas podem obter aporte de até 90% dos investimentos”, comemorou.

O presidente da rede avaliou que o Brasil já avançou na parte agrícola, mas existem outras que podem ser melhoradas para trilhar a evolução da bioeconomia ao longo do tempo. Por isso, observa a necessidade de dialogar com todos os setores envolvidos, especialmente as empresas responsáveis pelo desenvolvimento do país. “Temos muita água, muita terra, muito sol, e o clima é bastante favorável à produção agrícola. Temos a maior biodiversidade do planeta e temos de achar as soluções para melhor aproveitar as vantagens competitivas inerentes do Brasil nessa área”, defendeu Coutinho.

O empresário Daniel Barreto, da Assessa, concordou. “O Brasil tem essa potencialidade brutal em relação à biodiversidade e uma produção gigantesca de biomassa”, comentou. No entanto, o que é necessário para a bioeconomia decolar? Na visão do empresário, tem relação com a regulação do setor, com políticas tributárias e de estado (independente de governos) para investimentos em ensino e pesquisas de Ciência & Tecnologia. Outro desafio indicado pelo empresário é a disputa de capital com a área de Tecnologia da Informação (TI), especialmente para startups. “Apostar em economia de moléculas requer um tempo maior para conseguir rodar e os investimentos em TI tendem a dar respostas mais rápidas”, explicou.

Ele atua com o desenvolvimento e produção de ingredientes bioativos de alta eficácia para a indústria cosmética há 47 anos. Para projetar o que vai acontecer daqui a cinco anos, precisa iniciar hoje projetos de pesquisa hoje que vão virar produtos em dois ou três anos. “O desafio de muitas iniciativas de startups, ou empresas pequenas e ágeis, baseadas em inteligência, é ter fundos de investimento com o mesmo apetite de quem investem em outras áreas, como a de TI”.

Barreto afirmou que não há muito conhecimento sedimentado no Brasil com espírito de adaptação, tendo presenciado, ao longo da experiência profissional na academia, trabalhos interessantes que não conseguiram virar negócios. “Temos recursos humanos e materiais em abundância, precisamos conectar os dois, pois o futuro da bioeconomia brasileira é brilhante e para chegar precisamos começar agora”, incentivou.

A configuração nesse sentido, segundo Coutinho, já começa mudar, a exemplo das chamadas da Embrapii com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Outra boa novidade é o compartilhamento de custo e risco da inovação em projetos com nível de maturidade maior, quando já há condições do produto ou serviço ser oferecido ao mercado.

“É um início de mudança, mas muitas startups realmente paralisam no meio e isso é algo a ser melhorado”, avaliou. O presidente da rede apoiou a construção da política de estado, com prioridades de longo prazo, mas defendeu a necessidade de estabelecer resultados mais rápidos para as comunidades e para a economia, até para garantir a sustentabilidade do planejamento.

Cenário promissor

Na avaliação do coordenador-geral de Ciência para a Bioeconomia, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (CBGE/MCTI), Bruno Nunes, o contexto brasileiro é favorável pela agropecuária forte, com expertise fundada em pesquisas (o que permitiu ao Brasil estabelecer liderança em vários segmentos e cenários globais); pelo uso racional e sustentável da biodiversidade e; pela excelente posição que o país ocupa em produção científica, como o 13º do mundo. Diante de tantos potenciais, o grande desafio, segundo o coordenador, é como transformar todo esse potencial em inovação de fato para a sociedade, com produtos das pesquisas nas áreas de biorrefinaria, biomassa, bioenergia, entre outras.

A ideia do governo é criar uma estrutura de governança para reunir todas as iniciativas e progredir na agenda de bioeconomia de forma coordenada e transversal pela Casa Civil, com plano de ação, prioridades definidas e estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação. “Temos a consciência de não imediatismo e que a bioeconomia requer prazos mais longos, mas temos a emergência de fazer agora para a concretização nas próximas décadas”, afirmou Nunes.

Para além de manter a produção sustentável e o uso racional da biodiversidade, o foco principal do ministério nos próximos anos será a biomanufatura industrial. “Contamos com a Embrapii para área de apoio aos bionegócios e o BFA é um dos principais instrumentos para isso”, disse. De acordo com o coordenador, é preciso unir capitais naturais e intelectuais para fundar a reindustrialização brasileira em base verde, e assumir o protagonismo da pauta sobre sustentabilidade no mundo.

“Queremos pensar como ampliar o consórcio de financiamentos com o BNDES”, acrescentou. O objetivo é aproveitar a base industrial instalada e melhorá-la junto com a academia para produzir os insumos estratégicos para agropecuária, saúde ou indústria química. “Um modelo pode ser pensado para química de renováveis, por exemplo, visando equilibrar a balança comercial do setor com o que somos fortes, como os insumos agrícolas”, considerou.   

O gerente do Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos e Fibras, do Senai/ Cetiqt, João Bruno, acredita que é preciso pensar a produção a partir de matérias-primas renováveis e tecnologias sustentáveis com o foco na captura de carbono. “Essa pode ser a base para pensar a estratégia de bioeconomia: o negócio poderá ser a entrega de produto com estocagem de carbono”, visualiza.

De acordo com o pesquisador, o Brasil já construiu experiência e reuniu elementos suficientes para formular uma política de estado objetiva. “Nos últimos dez anos, tivemos a inclusão de estruturas importantes, como a Rede Senai de Inovação e a Embrapii”, assinalou. Aliadas às organizações consolidadas e aos institutos de pesquisa, ele mencionou a atuação das indústrias e empresas com competências e estruturas sólidas na área de bioeconomia, com cases bem-sucedidos com celulose, cana-de-açúcar, e produtos da biodiversidade. “Temos a base para essa construção de futuro, de forma estratégica, a exemplo de estudo recente sobre a relação direta da bioeconomia com o processo de transição energética”, citou Bruno.

Impulso à bioeconomia

Para reforçar o apoio o desenvolvimento de biotecnologia, a Embrapii criou a Rede MCTI/Embrapii de Inovação em Bioeconomia, em agosto de 2022, com um ecossistema composto por 29 Centros de Pesquisa que trabalham no tema. São 29 Institutos distribuídos por todo o país que em rede permite impulsionar o setor a partir do desenvolvimento de processos e produtos de maior complexidade e valor agregado, com infraestrutura e competências únicas para atuar no apoio à indústria nacional.

Em entrevista, o presidente da Rede MCTI/Embrapii de Inovação em Bioeconomia, Paulo Coutinho, o pesquisador comenta as tendências e os desafios da bioeconomia, uma área transversal se estendendo por diferente setores de mercado.

Quais as tendências em bioeconomia?

É a busca cada vez maior pela sustentabilidade. Envolve o desenvolvimento e uso de tecnologias específicas capazes de garantir o uso total da biomassa, seja ela proveniente de culturas domesticadas ou da própria biodiversidade, com uma crescente agregação de valor para a economia, o ambiente e o social. Estamos falando de avanços na biotecnologia, na intensificação de processos químicos, implantação da Indústria 4.0, desde o campo até a produção comercial dos produtos aí relacionados.

Na biotecnologia estamos falando da biologia sintética e seus desdobramentos. Compreende o aprimoramento de microorganismos e plantas sempre visando aumentar a produtividade do campo, através do desenvolvimento de bioinsumos e plantas resistentes às mudanças climáticas.

A intensificação de processos busca a miniaturização de equipamentos (microreatores), processos+equipamentos que contemplam mais uma operação unitária ao mesmo tempo (catalisadores multifuncionais, solventes de alta capacidade de absorção, destilação reativa, etc) sempre buscando produzir mais com menos em termos de equipamentos, investimentos e espaço.

A indústria 4.0 desdobra-se na bioeconomia com a implementação da agricultura de precisão, de máquinas de alto rendimento para o campo, da automação dos processos industriais aplicados a transformação da biomassa em produtos.     

Por que a bioeconomia tem tudo para ser o futuro do desenvolvimento do Brasil? Quais os maiores desafios?

O Brasil possui terra, clima e água em abundância. Possui ainda uma das maiores biodiversidades do planeta. E possui conhecimento + tecnologia na agroindústria que vem crescendo e se acumulando ao longo do tempo. Hoje já estamos entre os cinco maiores produtores das principais biomassas do mundo, notadamente, soja, cana de açúcar e madeira para papel e celulose. Podemos nos colocar como uma potência na biotecnologia industrial, quando falamos de culturas domesticadas e de alta relevância no contexto mundial.

Infelizmente pouco sabemos ainda sobre como explorar de maneira sustentável a nossa biodiversidade. Os maiores desafios se encontram na construção de cadeias de maior valor agregado para as biomassas. Trabalhamos apenas na produção agrícola e pouco avançamos em valor agregado. Ficamos apenas nas chamadas commodities, sujeitos a seus ciclos de variação de preços ao longo do tempo. Pelo lado da biodiversidade precisamos mapear e identificar oportunidades nos nossos diversos biomas, inclusive o marinho. Precisamos desenvolver tecnologias e formas de explorar que garantam também os lados sociais e ambientais. Isso também passa pela construção de cadeias produtivas voltadas para agregação de valor.

Como tornar o Brasil uma potência da bioeconomia?

Estudo recente apresentado pela ABBI – Associação Brasileira de Bioinovação, que envolveu diversos parceiros, SENAI CETIQT, Embrapa Agrenergia, CNPEN e o Cenergia da COPPE/UFRJ, mostra que o País tem um potencial de adicionar quase US$ 300 bilhões ao PIB pela implementação de produtos/processos da bioeconomia. Isso com uma redução na produção de gases de efeito estufa da ordem de 14 Gton em CO2. O estudo não considerou ainda tecnologias que estão surgindo e nem mesmo o aproveitamento da biodiversidade. Estes números podem ser bem maiores.

Para que isso ocorra o Brasil precisa definir uma política capaz de mostrar e incentivar as empresas a aproveitar as nossas vantagens competitivas na área. Criar incentivos para P&D e investimentos na área. Trabalhar a política tributária e incentivar os produtos mais sustentáveis de forma a garantir que possam se tornar mais competitivos, através dos ganhos de escala que virão com o tempo.

O País deve fazer escolhas. Os recursos são escassos e, me parece, que direcioná-los para esta área levaria o Brasil a resultados mais rápidos e de maior impacto na economia, no meio ambiente e no social.

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A Rede MCTI/Embrapii de Inovação em Bioeconomia será a responsável pela aplicação de um questionário para avaliar a situação da bioeconomia no Brasil, para a formação do World Bioeconomy Forum, um hub de agências de fomento e empresas voltadas para o desenvolvimento da bioeconomia no mundo. O anúncio foi feito, nesta quarta-feira (15), no G-STIC (6ª Conferência G-STIC (Comunidade Global de Tecnologia Sustentável e Inovação), no Rio de Janeiro.

A concepção do hub conta com parceiros internacionais, responsáveis pela análise dos resultados dos documentos.

De acordo com o presidente da Rede MCTI/Embrapii de Inovação em Bioeconomia, Paulo Coutinho, o documento é único e será aplicado em países da Europa, África e oriente, com o intuito de expandir no mundo todo.

“O Brasil é protagonista em bioeconomia no mundo e ser um dos parceiros para a formação do hub é mais uma oportunidade de mostrar o que temos a oferecer para o desenvolvimento do setor.”, destaca Coutinho.

Os resultados permitirão avaliar as possibilidades existentes para o desenvolvimento de tecnologia e o avanço da bioeconomia mundial. “O que pode ser oferecido pelos países e o que eles podem buscar no exterior.”, complementa o presidente da A Rede MCTI/Embrapii de Inovação em Bioeconomia.

A entrega desses resultados está prevista para setembro deste ano.

Os resultados obtidos através do questionário possibilitarão a circulação do conhecimento e investimento para alavancar a bioeconomia no mundo.

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